quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A PONTE de Franz Kafka

Ilustração de Peter Kuper
Eu estava rígido e frio,
era uma ponte, estendido sobre um precipício.
Com os dedos dos pés de um lado e os das mãos  agarrados ao outro,
fixei-me com firmeza ao solo instável.
As fraldas  do casaco tremulavam dos dois lados do meu corpo.
Lá embaixo, rugia a gélida correnteza do riacho de trutas.
Nenhum turista se arriscava naquelas alturas,
intransitáveis,
a ponte ainda não aparecia em nenhuma mapa.
De modo que me estendi e esperei, era só o que podia fazer.
A não ser que vá abaixo, uma vez erigida, uma ponte nunca de ser uma ponte.
Foi num entardecer - seria o primeiro, seria o milésimo?, não sei dizer - meus pensamentos, sempre confusos,
moviam-se em um círculo perpétuo.
Foi num entardecer de verão, o rugido da correnteza tornava-se mais intenso,
que ouvi o som de passos humanos.
Vinham até mim, até mim.
Endireite-se ponte, prepare-se, viga sem corrimão,
para sustentar o passante a você confiado.
Caso seus passos sejam vacilantes, torne-os firmes sem que ele note;
se bater os pés com força, mostre do que  é capaz e,
como um deus da montanha,
conduza-o a terra firme.
Ele veio,
me cutucou com a ponta metálica de sua bengala,
cravou-a na minha cabeleira espessa e deixou lá por um longo tempo,
provavelmente enquanto olhava enlouquecido ao redor.
Mas então - enquanto eu o acompanhava em pensamento
pela montanha  e pelo vale - ele pulou com os dois pés bem no meio do meu corpo.





Estremeci sob a dor esmagadora, sem saber o que acontecia.















Quem era?

Uma criança?
Um sonho?
Um andarilho?
Um suicída?
Uma provação?
Um demolidor?
E eu me virei para vê-lo.
Uma ponte se virando.
Ainda não tinha me virado por completo quando comecei a cair.
Eu caí,
e em um instante fui perfurado
e dilacerado
pelas pedras afiadas que sempre me contemplaram pacificamente das águas revoltas.

Do livro "Desista! e Outras Histórias de Franz Kafka" de Peter Kuper

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